Por: Enzo Baggio Losso.
1 INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil é um importante instituto do Direito Civil na qual consiste no dever de indenização por atos ilícitos causados por pessoas físicas e jurídicas. O dano sofrido é um pressuposto e elemento da responsabilidade civil é definido com a lesão a qualquer bem jurídico, seja patrimonial ou extramatrimonial. O ato ilícito está conceituado na própria legislação, por meio do art. 186 do Código Civil, in verbis:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Com a sociedade em constante mudança, houve o surgimento de diversas novas teorias de dano as quais começaram a ser amplamente utilizadas doutrinariamente e jurisprudencialmente, neste último por diversos tribunais, inclusive superiores como o Superior Tribunal de Justiça. Desta maneira, a responsabilidade civil hoje não se limita exclusivamente a danos materiais (lucros cessantes e danos emergentes) e morais, havendo diversos tipos e teorias de dano que podem ser cumuladas, conforme será visto a seguir.
2 AS NOVAS TEORIAS DE DANO
Neste tópico serão apresentados os novos tipos de dano hoje existentes por meio de entendimento doutrinário e jurisprudencial, apresentando exemplos e julgados os quais foram aplicados tais teorias.
2.1 Dano Estético
O dano estético é o dano relacionado à integridade física da pessoa ofendida, causando lesões como cicatrizes, más cicatrizações etc., as quais causem repugnância, desgosto e outros sentimentos de tal natureza causados por tais violações à integridade física e à imagem do indivíduo. Importante ressaltar que o dano estético não se confunde com dano moral, podendo estes serem cumulados judicialmente, conforme dispõe a Súmula 387 do STJ “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”. Sobre a questão há diversos casos nos quais há o requerimento de tal dano, um exemplo é o dano estético decorrente de lesão corporal, no qual, nos autos nº 0011142-77.2020.8.16.0131, houve a condenação pela 9ª Câmara Cível de danos morais e estéticos em razão de lesão corporal em razão de discussão de trânsito, verifica-se:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. DISCUSSÃO DE TRÂNSITO. – LESÃO CORPORAL. RÉU QUE DESFERE SOCO CONTRA O ROSTO DO AUTOR, APÓS DISCUSSÃO NO TRÂNSITO. PROVA DOCUMENTAL DE VÍDEO QUE REGISTRA O ATO ILÍCITO. SITUAÇÃO QUE NÃO CONFIGURA LEGÍTIMA DEFESA. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE QUE O AUTOR DISPUSESSE DE ARMA DE FOGO. OBRIGAÇÃO DO RÉU DE INDENIZAR OS DANOS CAUSADOS. – DANO MORAL E DANO ESTÉTICO. FRATURA DE OSSOS DA FACE. NECESSIDADE DE CIRURGIA REPARADORA. ABALO PSICOLÓGICO. LESÃO AOS DIREITOS DE IMAGEM E INTEGRIDADE FÍSICA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. – HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA MAJORADOS EM FASE RECURSAL. – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. TJPR – 9ª Câmara Cível – 0011142-77.2020.8.16.0131 – Pato Branco – Rel.: SUBSTITUTO RAFAEL VIEIRA DE VASCONCELLOS PEDROSO – J. 25.03.2024.
Outro exemplo muito de dano estético é decorrente de erros médicos em cirurgias plásticas, trazendo imperfeições a partir das cirurgias.
2.2 Dano Existencial
O dano existencial, por outro lado, trata da perda da qualidade de vida do indivíduo ou perda de fruição e gozo dos prazeres da vida como o lazer ou danos a projetos de vida como, sonhos metas ou objetivos de vida. No caso apresentado na Apelação Cível nº 0002466 78.2020.8.16.0184, o abandono afetivo afetou diretamente no projeto de vida do alimentando, impossibilitando o mesmo de arcar com as custas para concluir seu ensino superior:
DIREITO DAS FAMÍLIAS. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE FIXAÇÃO DE ALIMENTOS CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PRETENSÃO DO FILHO MAIOR DE CONCLUIR O ENSINO SUPERIOR. CARGA HORÁRIA QUE IMPOSSIBILITA O EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA. NECESSIDADE DO ALIMENTANDO DEVIDAMENTE DEMONSTRADA. INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL POR ABANDONO AFETIVO, ARBITRADA EM FAVOR DO FILHO, EM R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS). RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AO PROJETO DE VIDA. INCONFORMISMO DO REQUERIDO. APELAÇÃO CÍVEL. (I) FIXAÇÃO DE ALIMENTOS PARA FILHO MAIOR DE IDADE: FILHO QUE TRANCOU A MATRÍCULA EM CURSO SUPERIOR POR NÃO CONSEGUIR PAGAR O VALOR DAS MENSALIDADES. REMUNERAÇÃO INSUFICIENTE PARA ARCAR COM TODOS OS GASTOS. NECESSIDADE DO ALIMENTANDO DEVIDAMENTE DEMONSTRADA. NÃO PROVIMENTO. (II) PEDIDO DE AFASTAMENTO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO PELOS DANOS MORAIS CAUSADOS AO FILHO. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL (ATO ILÍCITO, DANO, NEXO CAUSAL). NÃO PROVIMENTO. (III) RESULTADO DO JULGAMENTO: RECURSO CONHECIDO E, NÃO PROVIDO. […] TJPR – 12ª Câmara Cível – 0002466-78.2020.8.16.0184 – Curitiba – Rel.: DESEMBARGADOR LUIS CESAR DE PAULA ESPINDOLA – Rel. Desig. p/ o Acórdão: DESEMBARGADOR EDUARDO AUGUSTO SALOMÃO CAMBI – J. 29.02.2024.
2.3 Dano Decorrente do Lucro Ilícito
O dano decorrente do lucro ilícito se originou da Teoria do Lucro da Intervenção, o qual visa impedir que uma pessoa se enriqueça ilicitamente à custa de outra. Tal teoria tem muitas vezes direta relação com o direito de imagem dos ofendidos, visto que os casos mais comuns deste dano se tratam do uso de imagem indevido. O caso que gerou tal teoria se trata do Caso Giovanna Antonelli, a qual uma empresa utilizou da imagem da referida atriz para venda de produtos sem a devida autorização da mesma. O Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva aplicou tal teoria sob as seguintes palavras “”O dever de restituição do lucro da intervenção (…) surge não só como forma de preservar a livre disposição de direitos, mas também de inibir a prática de atos contrários ao ordenamento jurídico naquelas hipóteses em que a reparação dos danos causados, ainda que integral, não se mostra adequada a tal propósito” (REsp 1.698.701 – RJ [2017/0155688-5]). No caso, o Ministro aplicou a Súmula 403 do STJ, na qual prevê a possibilidade de indenização em caso de uso indevido de imagem, firmando entendimento de que deverá ser apurado o lucro patrimonial do uso indevido e indenizar a atriz neste valor. Ademais, o Enunciado 620 da VIII Jornada de Direito Civil trata da teoria do lucro da intervenção “A obrigação de restituir o lucro da intervenção, entendido como a vantagem patrimonial auferida a partir da exploração não autorizada de bem ou direito alheio, fundamenta-se na vedação do enriquecimento sem causa”.
2.4 Dano por Perda de uma Chance
O dano por perda de uma chance se trata da perda de uma oportunidade concreta que não ocorreu em razão do fato ilícito causado pelo ofensor. Um grande exemplo abstrato seria um cantor com possibilidade de ganhar uma competição em suas fases finais, mas, no caminho, é atingido por um carro atravessando na faixa e perde a competição em razão do acidente. A jurisprudência já reconhece a teoria do dano por perda de uma chance, verifica-se:
PERDA DE UMA CHANCE. A perda de uma chance resta caracterizada, quando se tem a certeza, ou até mesmo, a plausibilidade da existência de um dano. Em outras palavras, o direito à indenização pela perda de uma chance tem sido admitido em razão da existência de uma oportunidade concreta que não aconteceu, por fato alheio à vontade da vítima, por culpa do ofensor. TRT-2 10003282720195020466 SP, Relator: WILMA GOMES DA SILVA HERNANDES, 11ª Turma – Cadeira 1, Data de Publicação: 04/02/2020.
Ademais, o Enunciado 444 da V Jornada de Direito Civil destaca que o dano por perda de uma chance não se limita a danos extrapatrimoniais, podendo ser aplicada também a danos de ordem patrimonial: “A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos”. Entretanto cumpre ressaltar que é necessário que a chance seja real, efetiva e concreta, não podendo ser uma mera expectativa ou chance remota.
2.5 Dano Decorrente da Teoria do Desvio Produtivo
A teoria do desvio produtivo decorre de um dano causado em uma relação consumerista na qual há o dano causado ao consumidor quando o mesmo gasta desnecessariamente seu tempo útil para resolver questões relativas ao serviço/produto ofertado, configurando uma abusividade e gerando o dever de indenizar. Verifica-se trecho do acórdão da Terceira Turma Recursal do TJDFT tratando da questão no Recurso Inominado nº 0762363-98.2019.8.07.0016:
“(…) 6. A tentativa frustrada de solucionar a controvérsia extrajudicialmente (protocolos de atendimento e reclamação na ANATEL), a fim de conseguir utilizar regularmente a linha, revela desídia da empresa ré e procrastinação na solução do problema sem razão aparente, o que causa extremo desgaste ao consumidor. 7. Além disso, o esforço e a desnecessária perda de tempo útil empregado para o reconhecimento dos direitos do demandante, que não obteve fácil solução dos seus reclames na via administrativa (Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor), sendo independente o meio pelo qual foi solicitado a solução do seu problema, pessoalmente, por meio de call center ou via aplicativo, são circunstâncias que extrapolam o limite do mero aborrecimento e atinge a esfera pessoal, motivo pelo qual subsidia reparação por dano moral”. Acórdão 1338974, 07623639820198070016, Relator(a): CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO, Terceira Turma Recursal, data de julgamento: 12/5/2021, publicado no PJe: 17/5/2021.
2.6 Dano Reflexo/em Ricochete
Também chamado de dano moral indireto, o dano em ricochete, ou dano reflexo, se trata da indenização de pessoas diretamente ligadas a uma vítima de um ilícito, sendo estas indiretamente afetadas pelo evento danoso. O art. 948 prevê o dano em ricochete, positivando tal tipo de ato ilícito e indenização no ordenamento jurídico em casos de homicídio, tendo a família da vítima o direito à indenização para arcar com despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e luto da família. Entretanto, tal dano pode ser aplicado em casos os quais a vítima não chega a falecer, mas sofreu graves danos físicos, que “ricochetearam” em sua família, gerando o dever de indenizar.
3 CONCLUSÃO
A existência de novos tipos de danos trazidas por diversas teorias dentro do âmbito da responsabilidade civil se trata da busca pela compensação do ato ilícito sofrido por diversos indivíduos e, de certo modo, se trata do ordenamento jurídico, muitas vezes, compensando o vácuo legal e normativo de tais previsões, assim trazendo novas alternativas concomitantemente aos clássicos danos materiais e morais já previstos na legislação civilista e utilizados exaustivamente no Poder Judiciário.