Por Lucile Kirsten
O desligamento de um sócio de uma empresa é um evento comum no meio empresarial, podendo ocorrer por diversos motivos, como divergências entre os sócios, necessidade de liquidez ou simples desejo de se afastar das atividades empresariais. No entanto, uma questão frequentemente levantada diz respeito à responsabilidade desse sócio por dívidas contraídas antes de sua saída. Este artigo objetiva esclarecer em que situações um sócio retirante pode continuar respondendo por obrigações empresariais após sua desvinculação.
I. Responsabilidade do Sócio Retirante
O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1.003, estabelece que o sócio que se retira da sociedade permanece responsável pelas obrigações sociais contraídas enquanto fazia parte da empresa, pelo prazo de dois anos contados da averbação de sua saída na Junta Comercial. Essa previsão tem por finalidade proteger terceiros de eventuais inadimplementos que possam ocorrer no interregno entre a saída do sócio e a reorganização financeira da sociedade.
Além disso, a responsabilidade pode ser solidária ou limitada, a depender da natureza da sociedade empresarial. Nas sociedades limitadas, a responsabilidade do sócio geralmente se restringe ao valor das quotas subscritas, salvo nos casos em que tenha havido confusão patrimonial, desvio de finalidade ou a prática de atos que ensejem a desconsideração da personalidade jurídica, conforme disposto no artigo 50 do Código Civil e na Lei da Liberdade Econômica (Lei n.º 13.874/2019).
II. Exemplo
Para ilustrar a aplicação prática dessa regra, imagine-se um caso em que um sócio de uma pequena empresa de confecções decide se retirar do negócio. Durante sua permanência na sociedade, a empresa contrai um empréstimo bancário para expansão das atividades. Ao deixar a sociedade e formalizar sua saída na Junta Comercial, ele entende que está livre de qualquer responsabilidade financeira futura.
No entanto, passados alguns meses, a empresa entra em dificuldades e não consegue honrar o pagamento do empréstimo. O banco, por sua vez, ingressa com uma ação judicial para cobrar os valores pendentes e inclui o ex-sócio no polo passivo do processo, com base no prazo de dois anos de responsabilidade estipulado pela legislação.
Caso ele não consiga demonstrar que sua saída foi acompanhada de um acordo formal de assunção de dívidas pelos sócios remanescentes, ele poderá ser compelido a arcar com a dívida, mesmo não estando mais vinculado à empresa.
III. Exceções e Hipóteses de Responsabilização Prolongada
Apesar do limite temporal de dois anos, há também situações em que a responsabilidade do ex-sócio pode se estender. Uma delas ocorre quando a obrigação assumida durante sua permanência na sociedade possui natureza de longo prazo, como contratos de financiamento ou arrendamentos mercantis. Nestes casos, credores podem buscar a responsabilidade do sócio retirante, especialmente se sua assinatura estiver vinculada aos instrumentos de obrigação.
Outra situação relevante ocorre nas hipóteses de fraude contra credores. Se for comprovado que a retirada do sócio ocorreu com o intuito de se esquivar de dívidas, por meio de uma operação simulada, os credores podem requerer judicialmente a nulidade do ato e exigir o pagamento das dívidas pendentes.
IV. Medidas Preventivas
Para evitar complicações futuras, é recomendável que o sócio retirante:
- Formalize sua saída por meio de alteração contratual registrada na Junta Comercial;
- Solicite uma auditoria interna para mapear dívidas e passivos ocultos antes de se desligar;
- Exija a elaboração de um distrato detalhado, contendo a responsabilidade pelas dívidas e eventuais garantias prestadas;
- Notifique credores sobre sua saída, minimizando riscos de cobranças futuras indevidas;
- Considere um acordo de indenização, no qual os sócios remanescentes assumam a responsabilidade pelas obrigações passadas.
V. Conclusão
A saída de um sócio da empresa não significa, necessariamente, a exoneração imediata de suas responsabilidades financeiras. O prazo legal de dois anos é um período crítico para evitar prejuízos a terceiros e garantir a segurança das relações empresariais. Dessa forma, é essencial que o sócio retirante adote medidas preventivas para resguardar seus interesses e evitar futuras demandas judiciais. A consulta a um advogado especializado é fundamental para uma transição segura e juridicamente respaldada.