A Teoria do Desvio Produtivo e sua relevante implicação nos direitos do consumidor

Por Lucile Kirsten.

A Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor é uma abordagem inovadora na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconhece o tempo do consumidor como um elemento essencial a ser protegido nas relações de consumo. Em sua essência, essa teoria argumenta que quando um consumidor é compelido a desviar sua atenção de suas atividades cotidianas para resolver problemas causados por fornecedores de produtos ou serviços, ocorre um desvio produtivo. Esse desvio produtivo representa não apenas a perda de tempo em si, mas também o desperdício de recursos que poderiam ser direcionados para outras atividades produtivas.

Ao reconhecer o valor intrínseco do tempo do consumidor, a Teoria do Desvio Produtivo busca garantir que a responsabilidade civil dos fornecedores não se limite apenas aos danos materiais ou morais causados diretamente, mas também inclua a compensação pelo tempo perdido pelo consumidor na resolução dos problemas decorrentes da relação de consumo.

De forma concreta, essa teoria pode ser utilizada, por exemplo, nas seguintes situações:

  1. Problemas com Produto Defeituoso: Um consumidor adquire um produto que apresenta defeitos de fabricação, exigindo que ele entre em contato com o fabricante ou o vendedor para solicitar reparo ou substituição. O consumidor precisa organizar sua agenda para permitir a visita técnica, entregar o produto para reparo ou aguardar a entrega de um novo item, tudo isso representando um desvio significativo de seu tempo habitual.
  2. Serviço de Internet Intermitente: Um consumidor contrata um serviço de internet de uma empresa provedora. No entanto, o serviço apresenta constantes falhas, exigindo que o consumidor entre em contato repetidamente com a empresa para relatar os problemas e solicitar soluções. Esse processo consome uma quantidade significativa de tempo do consumidor, prejudicando sua produtividade no trabalho.
  3. Erros em Faturas: Um consumidor recebe uma fatura de serviços que contém erros, como cobranças indevidas ou valores incorretos. Para corrigir esses problemas, o consumidor precisa entrar em contato com a empresa fornecedora, explicar a situação, reunir documentos comprobatórios e acompanhar o processo de correção. 

Esse processo consome tempo e energia do consumidor, que poderiam ser dedicados a outras atividades mais produtivas ou prazerosas.

Nesses casos, os consumidores podem fazer uso da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor como um instrumento para exigir a correção de problemas de forma mais ágil e eficiente. Do mesmo modo, os prestadores de serviços e produtos, a fim de evitar serem responsabilizados pelo tempo desperdiçado pelos consumidores, têm um incentivo adicional para resolver os problemas de forma rápida e eficaz, minimizando assim o impacto negativo sobre o tempo e a produtividade dos consumidores. 

Por fim, é importante ressaltar que a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor não se aplica a qualquer inconveniente ou aborrecimento trivial que o consumidor possa enfrentar no contexto das relações de consumo. Para que essa teoria seja invocada, é necessário que o consumidor demonstre ter esgotado todos os meios razoáveis para resolver o problema de forma amigável e que o desvio produtivo causado seja significativo, resultando em uma perda substancial de tempo e esforço. Assim, situações de mero dissabor ou inconveniência passageira não se enquadram no escopo dessa teoria, sendo necessário um prejuízo efetivo ao consumidor para sua aplicação.

Nesse sentido, entende o TJSP:

“PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – DIVERSAS RECLAMAÇÕES REALIZADAS PELA CONSUMIDORA – DANO MORAL CONFIGURADO – TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR – TRANSTORNO QUE ULTRAPASSA O MERO ABORRECIMENTO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Os danos morais estão caracterizados na hipótese em que o consumidor se vê obrigado a empreender inúmeras diligências visando solucionar problema a que não deu causa, ocorrendo a perda de seu tempo útil (Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor)”.

(TJSP, AC: 10022225220218260562 SP, VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Des. Rel. Renato Sartorelli, j. em: 22/06/2021, DJe em: 22/06/2021).

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