Da taxatividade do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)

Por Lucas Eliandro Mendes da Costa.

A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) é uma agência reguladora, vinculada ao Ministério da Saúde, cuja função precípua é regular a atuação dos planos de assistência em saúde no Brasil. O rol de procedimentos da ANS estipula a cobertura assistencial que deve ser garantida pelos planos privados de assistência à saúde. Em suma, ele estabelece quais exames e procedimentos são de cobertura obrigatória por parte das operadoras de saúde.

No ordenamento jurídico brasileiro, a atuação das operadoras de saúde está regulamentada pela lei 9.656/98, a qual prevê a instituição do referido rol de procedimentos. 

Este tema se mostrou de grande repercussão no último ano, em razão do julgamento dos Embargos de Divergência 1889704-SP e 1886929-SP pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o qual decidiu em sua 2ª turma, por maioria, pela taxatividade como regra do rol de procedimentos da ANS. A grande discussão que se apresenta gira em torno de tratamentos e exames não abarcados pelo rol de procedimentos, os quais as operadoras de saúde não mais estavam obrigadas a cobrir, assim deixando o direito à saúde de seus usuários de lado.

Em virtude disso, o Congresso Nacional editou um Projeto de Lei (PL 2.033/22) que invalida a taxatividade estipulada pelo STJ. Tal projeto de lei foi aprovado no final de agosto de 2022 pelo Senado Federal, e passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro pela lei 14.454/22, a qual estabelece, no artigo 10, parágrafo 13, as hipóteses de cobertura de exames e tratamentos que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, as quais têm como requisitos comprovação de eficácia, à luz de evidências científicas robustas ou recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) ou órgão internacional similar. 

Tal legislação segue o entendimento estabelecido pela Terceira Turma do STJ, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, de que a natureza do rol é exemplificativa, isto é, que o dever do plano de saúde é de cobertura ampla, e não restrita. Tal como segue o relatório da referida decisão em sede de Recurso Especial nº 1.876.630 – SP:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZATÓRIA C/C COMPENSAÇÃO DE DANO MORAL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. AMPLITUDE DE COBERTURA. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE DA ANS. NATUREZA EXEMPLIFICATIVA. NEGATIVA DE COBERTURA DE CIRURGIA DE MAMOPLASTIA BILATERAL. PROCEDIMENTO INDICADO PARA TRATAMENTO DE HIPERPLASIA MAMÁRIA BILATERAL. RECUSA INDEVIDA CARACTERIZADA. DEVER DA OPERADORA DE INDENIZAR A USUÁRIA. AGRAVAMENTO DA SITUAÇÃO DE AFLIÇÃO PSICOLÓGICA E ANGÚSTIA. SITUAÇÃO DE URGÊNCIA OU EMERGÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO DELIMITADAS NO ACÓRDÃO RECORRIDO. DANO MORAL AFASTADO. JULGAMENTO: CPC/15.

[…]

9. O rol de procedimentos e eventos em saúde (atualmente incluído na Resolução ANS 428/2017) é, de fato, importante instrumento de orientação para o consumidor em relação ao mínimo que lhe deve ser oferecido pelas operadoras de plano de saúde, mas não pode representar a delimitação taxativa da cobertura assistencial mínima, na medida em que o contrato não se esgota em si próprio ou naquele ato normativo, mas é regido pela legislação especial e, sobretudo, pela legislação consumerista, com a ressalva feita aos contratos de autogestão.

[…]

14. É forçoso concluir que o rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS tem natureza meramente exemplificativa, porque só dessa forma se concretiza, a partir das desigualdades havidas entre as partes contratantes, a harmonia das relações de consumo e o equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores, de modo a satisfazer, substancialmente, o objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo.

[…]

(REsp n. 1.876.630/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 9/3/2021, DJe de 11/3/2021.)

O entendimento proposto pela Ministra Nancy funda-se, em especial, nas normas e princípios do Direito do Consumidor, e para tal, faz alusão ao Código de Defesa do Consumidor, quando estabelece que configura como abusiva qualquer norma infralegal que tenha por intento de restringir o direito subjetivo do consumidor/beneficiário de plano de saúde. Conforme a relatora afirmou, o rol de procedimentos estabelecido pela ANS não pode ser considerado como uma lista taxativa e restrita da cobertura, uma vez que o contrato é regido pelas normas do CDC.

Ademais, de acordo com a relatora, não se pode requerer que o consumidor tenha conhecimento e habilidade para avaliar todos os procedimentos cobertos ou não pelo plano contratado, tendo em vista que o rol da ANS, com cerca de três mil itens, é elaborado em linguagem técnico-científica, que é incompreensível ao leigo.

Desta feita, assume-se agora, após a edição da lei 14.454/22, que incorporou e alterou dispositivos fundamentais da lei dos planos de saúde (lei 9.656/98), que o rol de procedimentos da ANS possui caráter exemplificativo, assim pacificando o entendimento estabelecido pelo STJ em 2021, no REsp 1876630/SP e de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, e não mais taxativo, para então ampliar os critérios de aplicação de exames e tratamentos além do estabelecido somente no rol. 

Assim, entende o legislador sobre a vulnerabilidade do beneficiário, também na condição hipossuficiente de consumidor, que a interpretação do rol de procedimentos da ANS (Anexo I da Resolução ANS 465/2021) deve se dar em favor do usuário, por isso decide-se pelo caráter exemplificativo e de cobertura ampla do rol de procedimentos.

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