Por Eduarda Sprea Ciscato.
A petição inicial que veicula o direito de ação do acusador público, como decorrência da análise a partir do art. 41 do CPP c/c art. 5º, inciso LV, da CRFB/88, deverá expor “o fato delituoso, em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias”[1], expondo “de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa”[2].
Em caso de desrespeito a estes elementos essenciais, restará caracterizada, nas salutares palavras do saudoso Ministro Celso de Mello, flagrante violação ao postulado do devido processo legal[3].
A partir disto, tem-se que a primeira garantia no processo penal é a própria acusação, haja vista que “uma denúncia bem formulada é essencial para o exercício da ampla defesa, pois permite que o réu conheça claramente os fatos que lhe estão sendo imputados, facilitando, assim, que se defenda”[4]. Caso a denúncia não cumpra com os requisitos previstos no art. 41 do Código de Processo Penal, deverá ser tida como formalmente inepta, não tendo o condão de surtir a desejada instauração do processo-crime em face do acusado.
Nessa seara, a despeito do delito de lavagem de capitais, é imprescindível que o crime antecedente esteja descrito na denúncia. Isso pois, há uma relação de acessoriedade material entre o crime de lavagem de dinheiro e seu(s) crime(s) antecedente(s), de maneira que somente se pode vislumbrar o objeto dos atos de lavagem a partir da ocorrência de um crime anterior.
Nesse sentido, Juarez Tavares bem afirma que o delito antecedente de ser descrito “de modo exaustivo pelo Ministério Público”, pois, se assim não ocorrer, “não se poderá afirmar a existência do delito de lavagem. Até porque seria absurdo que um objeto dependente viesse a existir sem que se afirmasse a existência do objeto do qual depende”[5].
Ainda, como bem preceitua Badaró, “é necessário que na denúncia ou queixa o acusador narre, concreta e especificamente, — além dos meios utilizados para o branqueamento ou lavagem em si — em que constituiu a infração antecedente, e quais os bens, direitos ou valores, que dela provieram, direta ou indiretamente”[6]
Nessa seara, além de se apontar o crime antecedentes, deve a exordial indicar quais produtos ou proveitos obtidos ilicitamente formaram o objeto material sob o qual recai a conduta de lavagem.
Isso pois, importante esclarecer que, nem toda dissimulação ou ocultação de valores constitui figura típica, apenas aquela que incidir sobre o bem ou valor que seja produto do crime antecedente.
Desse modo, a denuncia deve descrever, a origem ilícita dos valores que seriam, então, o objeto do tipo objeto “ocultar” ou “dissimular”.
Significa dizer, portanto, que o acusado se defende de uma dupla imputação, composta pelo delito antecedente e pela suposta lavagem, haja vista que este não sobrevive sem que se tenha o mínimo de certeza do cometimento daquele. Nesta ordem de ideias, não havendo descrição mínima quanto ao delito antecedente, não se pode dizer que a descrição é apta quanto ao delito de lavagem de capitais, porquanto não há relação de causa entre ambos.
[1] HC 70763, PRIMEIRA TURMA, Rel. Celso De Mello, j. em 28/06/1994, DJe em 23/09/1994.
[2] HC 88875, SEGUNDA TURMA, Rel. Celso De Mello, j. em 07/12/2010, DJe em 09/03/2012.
[3] STF, HC 72506, PRIMEIRA TURMA, Rel. Celso De Mello, j. em 23/05/1995, DJe em 18/09/1998.
[4] MENDONÇA, Andrey Borges de. Comentários ao artigo 41 do Código de Processo Penal. In: GOMES FILHO, Antonio Magalhães; TORON, Alberto Zacharias; BADARÓ, Gustavo Henrique (orgs.). Código de Processo Penal comentado. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. P. 159.
[5] TAVARES Juarez; MARTINS, Antonio. op. cit. P. 27.
[6] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz.Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/2012. 2ª edição. São Paulo: RT, 2013, p. 274.