Liberdade de escolha no casamento: A flexibilização da separação obrigatória de bens para pessoas acima de 70 anos – uma análise da recente decisão do STF

Por: Isadora Sordi Munhoz

O Regime da Separação Obrigatória de Bens, um dos modelos de organização patrimonial adotada nos casamentos brasileiros, há tempos vem sendo objeto de discussões no âmbito jurídico, principalmente com a possível atualização e reforma do Código Civil Brasileiro de 2002.

Diferentemente do regime da comunhão parcial ou total de bens, em que os cônjuges compartilham os bens adquiridos na constância do casamento, no regime da separação obrigatória, cada parte mantém sua autonomia patrimonial. Tradicionalmente, o art. 1.641, II, CC, impunha que as pessoas acima de 70 anos que desejassem se casar estariam, obrigatoriamente, submetidas a separação obrigatória de bens.

O intuito desta restrição foi, em tese, de proteger o patrimônio individual dos cônjuges idosos, garantindo que os bens adquiridos antes durante o casamento permanecessem de propriedade exclusiva de cada um, evitando confusão patrimonial ou um risco para si ou para seus herdeiros.

Outra justificativa adotada foi a vulnerabilidade cognitiva da pessoa com 70 anos ou mais, que seria incapaz de autodeterminar-se livremente, pressupondo não ter plenas condições de decidir sobre si próprio.

No entanto, à medida em que a sociedade evolui e as relações familiares se transformam, surgiu um novo debate sobre constitucionalidade do artigo de lei e consequente necessidade de flexibilização desse regime, vez que a imposição definida pelo Código Civil estaria restringindo a liberdade dos noivos.

 Afinal, somente a idade avançada não mostra-se suficiente para incapacitar uma pessoa e justificar essa imposição. Apesar disso, a legislação ainda mantinha essa exigência em tais casos.

Contudo, esse cenário mudou com a recente decisão do STF sobre o tema. Em 01/02/2024, o Plenário deliberou sobre a possibilidade de alteração do regime obrigatório de separação de bens em casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas com mais de 70 anos, permitindo a escolha de um regime diverso daquele previsto obrigatoriamente pelo Código Civil.  

A Corte entendeu que manter a obrigatoriedade da separação de bens, conforme previsto no Código Civil, constitui uma violação ao direito de autodeterminação das pessoas idosas.

A decisão reconhece a capacidade plena desses indivíduos de tomar decisões sobre sua vida e patrimônio, contrariando a ideia de vulnerabilidade cognitiva presumida que embasava a imposição do regime de separação obrigatória. Junto a isso, ressaltou que a discriminação por idade é expressamente vedada pela Constituição Federal.

Essa modificação representa não apenas uma evolução na interpretação das normas jurídicas, mas também um marco na proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos idosos, garantindo-lhes maior autonomia e liberdade nas relações familiares e patrimoniais.

Assim, a tese de repercussão geral fixada para Tema 1.236 da Repercussão Geral estabelece que: “Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no artigo 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes mediante escritura pública”.

Mas, afinal, de que maneira essa decisão impactará os casos futuros e os já existentes?

A decisão estabelece que, para afastar a obrigatoriedade da separação de bens, é necessário que as partes expressem esse desejo por meio de escritura pública, firmada em cartório.

No caso de pessoas acima de 70 anos que já estejam casadas ou em união estável, a modificação do regime de bens só poderá ocorrer mediante autorização judicial (no caso do casamento) ou manifestação em escritura pública (no caso da união estável). É importante ressaltar que essa alteração produzirá efeitos patrimoniais apenas para o futuro, não retroagindo aos períodos anteriores.

Com essa nova perspectiva estabelecida pelo STF, abre-se espaço para uma maior flexibilização e adaptação dos regimes de bens nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas idosas, reconhecendo a autonomia e capacidade dos indivíduos, de tomar decisões sobre seus próprios bens e escolher o modelo que melhor atenda às suas necessidades e vontades individuais.

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